05

abr

O medo da morte

Matéria publicada nesta segunda (05) pelo G1 sobre o Covid-19, em que fui entrevistada pelo relato publicado nesta coluna, revelou que o maior medo que senti ao ser infectada pelo Coronavírus era de morrer. O fato é que quem me conhece sabe que AMO VIVER e a verdade é que NÃO TENHO MEDO DE MORRER, não.

O temor revelado no texto é mais a preocupação pelos meus filhos, especialmente as meninas que ainda são tão novas. Ali estávamos os dois, mãe e pai, bem ruins e a preocupação sobre o que seria delas, caso faltássemos, era real.

Sei que se algo pior acontecesse, minhas filhas – hoje com 12 anos, seriam MUITO BEM CUIDADAS E AMADAS, não tenho dúvidas disso. Mas quem faria como nós, pais, faríamos?

Tenho um filho de 18 anos que deu muito trabalho. Muito mesmo, especialmente com saúde. Ele tinha 30 dias de vida na primeira vez que precisamos levá-lo num pronto-atendimento médico. Perdi a conta de quantas vezes isso aconteceu ao longo da vida, até meados do ano passado. Corríamos por causa das crises de bronquite asmática, dos problemas causados pela catarata congênita e por conta dos resultados e sequelas da depressão.

Chorei sozinha e acompanhada uma infinidade de vezes por me achar a pior mãe do mundo. As culpas da maternidade chegaram a me roubar o brilho dos olhos, os dias, trabalhos… a culpa me fez rastejar. E então hoje olho para aquele ser que me fez mestre me maternidade e vibro com o homem que está se tornando.

Meu menino hoje é um homem responsável, feliz, trabalhador e que paga suas próprias contas. Ele ama e é amado, além de ser absurdamente admirado por onde passa por sua beleza e, em especial, por sua inteligência e caráter.

Quero ter com as meninas a mesma oportunidade que tive com ele. Criá-las até quando puderem caminhar com as próprias pernas. Olhar para cada uma das minhas gêmeas e admirar a história de vida que construirão.

Já faz alguns anos que quebrei as correntes que me amarravam à culpabilidade que acompanha a maternidade. Claro que depois de arrebentá-las, algumas vezes as peguei nas mãos, mas não voltei a prendê-las em mim.

Na pré-morte a gente pensa muita coisa. Pensei que meus pais seriam as melhores pessoas para cumprir esse papel. Não teria alguém que eu confiaria mais do que eles, afinal, sou o que sou e amo o que sou muito por conta deles. Acontece que meus pais já têm idade para viver dias de paz e não acho que seria adequado dar-lhes a responsabilidade de criar adolescentes tudo de novo. Assim, analisei outras possibilidades familiares…

Foi quando pensei nos meus cunhados, que têm filhos jovens e ainda muita saúde pela frente. Acontece que seria difícil para minhas filhas serem criadas por eles, uma vez que algumas limitações delas atrapalham o relacionamento. Assim, sobrou para meu irmão mais novo, que já tem quatro filhos. Quem cria quatro, cria seis, né, não? Como meus sobrinhos têm idade próximas das primas, seria muito mais fácil para elas viver nesse lar amontoado de gente e amor.

Contudo, no meu delírio, ainda achava que nada daquilo era o ideal para elas caso fizéssemos a passagem, Foi quando, nesta noite insone, cheguei a conclusão de quem seria a melhor pessoa para criar as minhas gêmeas e então senti tranquilidade no coração.

Meu filho de 18 anos, aquele que sempre me encheu de orgulho e que também me fez acreditar no fiasco de mãe que eu era, seria a melhor pessoa para criar minhas filhas. Tenho absoluta certeza de que ele, que dá a vida por elas, as amaria como as amo; as educaria como os eduquei e ainda teria o apoio e orientação dos meus cunhados, irmãos e pais para isso.

Foi quando o medo de morrer deu lugar a paz e pude, finalmente, concentrar meus pensamentos e sentimentos na recuperação. Então ficou tudo bem.




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